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As 6 etapas da relação ator / personagen, segundo Stanislavski.
Primeira Etapa: VONTADE Querer fazer. o Ator toma contato com seu próximo trabalho, se familiariza com a obra e desenvolve os pontos que o aproximam do autor, do tema, de tudo o que possa estimular seu desejo de realizá-la. Segunda Etapa: INDAGAÇÃO Porque fazer? O Ator busca dentro e fora de si, aproximação do tema com suas experiências pessoais, o que o novo trabalho pode trazer como novidade e desafio, procura bons motivos que reforcem a vontade de querer fazer. Etapa de conscientização. Terceira Etapa: VIVÊNCIA O Ator começa, de forma invisível, a criar em si a imagem interna de sua nova personagem. Vai se acostumando a ver como sua aquela vida de outro ser. Quarta Etapa: ENCARNAÇÃO O Ator cria visivelmente, ainda para si mesmo, uma envoltura, uma aparência para a personagem. Quinta Etapa: FUSÃO O Ator procura unir até uma complexa fusão, os dois processos anteriores, o da vivência e o da encarnação, criando uma personagem capaz de reagir coerentemente em qualquer situação. Tem corpo, voz, sentimentos , emoção. Sexta Etapa: COMUNICAÇÃO A influência sobre os espectadores. O Ator procura ser convincente para que o espectador não veja não mais o Ator, mas verdadeiramente, a personagem. Aqui analisa de forma consciente os meios de que dispõe para uma melhor comunicação. Controle sobre a emoção e a expressão. É IMPORTANTE QUE O ATOR REALIZE ESSE PERCURSO SEM QUERER PULAR ETAPAS.
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Peter Brook (1925 – ) Encenador, é uma das peças chave para a compreensão do teatro no século XX. Quanto mais o teatro expande os seus limites e uma nova consciência do fenómeno teatral se consolida, mais evidente se torna a influência deste encenador inglês radicado em França, sobre todo o mundo do teatro, em todas as latitudes. Autor do livro «O Espaço Vazio». Pontos de análise 1. Peter Brook é uma das personalidades mais importantes do teatro da segunda metade do séculi XX. Tanto a sua obra como os seus livros são conhecidos no mundo inteiro e são referência obrigatória para todos quantos se interessam pelas artes cénicas. Autor e encenador britânico, extendeu os limites do teatro além da dramaturgia, dramaturgos e as suas obras. Ao mesmo tempo, é um apaixonado da tradição clássica, um célebre encenador de Shakespeare; a sua paixão pela arte cénica levou-o a aventurar-se em outros territórios, como a ciência; introduziu noções desiquilibrantes e integradoras no panorama europeu - os melhores exemplos são a opção por trabalhar com um elenco multicultural ou a introdução de temas e noções apreendidas de outras culturas, distantes da tradição da cultura ocidental. 2. Peter Brook é um dos grandes maestros do teatro internacional, vivo e em plena atividade. Durante as últimas décadas, o teatro assistiu o desaparcimento de outros célebres criadores, que trouxeram uma nova dimensão linguística e outras perspetivas sociais. Todos eles, além das inovações técnicas que proporcionaram, converteram a arte cénica numa tribuna previligiada de reflexão social. Dentro destes, talvez Brook seja aquele que mais inspira admiração indiscutível no meio teatral, desde ambientes amadores às academias mais sofisticadas. 3. Jovem profissional de sucesso, instalado no conforto do teatro comercial inglês, decide sair de Londres para investigar novas formas de abordar o fazer teatral. Realiza longas viagens por diferentes países africanos e orientais em busca de uma essencialidade, ou seja, investigando sobre os elementos constitutivos que conformam a comunicação artística teatral em diferentes contextos sócioculturais. 4. As suas viagens serviram para conhecer, em primeira mão, outras formas de estabelecer vínculos com o espetador. Fruto dessas experiências, empreende uma reflexão comparativa entre a expressão artística e cultural dos distintos povos africanos e orientais visitados e os procedimentos típicos do teatro ocidental, nomeadamente, a tradição shakespeareana, em cujas bases se formou. 5. Fruto desta experiência cria, em 1971, o Centro Internacional de Investigação Teatral, integrado por atores e atrizes naturais dos países frequentados nas suas viagens. Peter Brook forma, provavelmente, a equipa de criação teatral mais intercultural e interracial do século XX. O momento culminante deste processo ocorre quando o grupo se estabelece a partir de 1974 no Teatro Bouffes du Nord, uma sala abandonada no norte de Paris, que a companhia descobre quase por acaso. Brook decide estabelecer-se naquele local sem efectuar grandes alterações físicas, apenas algumas melhorias técnicas que possibilitaram o desenvolvimento dos espetáculos. 6. Para Brook, a ausência de elementos decorativos supérfluos no interior do edifício teatral faz com que desde o momento em que entra o espetador se concentre apenas no que verdadeiramente interessa: no espetáculo e na proposta estética e ideológica em que ele se desenvolve. Não é uma sensação de uma pobreza imposta, mas antes de essencialidade, de voluntária ausência de adornos. Frequentemente as próprias paredes acabam por servir de cenário nas suas produções cénicas e isso é deliberado. Peter Brook pretende que seja o espetador a imaginar os espaços, a decorá-los e se concentre no corpo e na voz dos intérpretes. Posso escolher qualquer espaço vazio e considerá-lo um palco nu. Um homem atravessa este espaço enquanto outro observa. Isto é suficiente para criar uma ação cénica. 7. Entre os diversos autores que influenciaram o seu trabalho e as suas inclinações estéticas, destacam-se três lendas: Jerzy Grotowski, William Shakespeare y Bertolt Brecht. Brook praticou com rigor a austera estética de Grotowsky, reconhecendo o seu contributo ao que ele designou por Teatro Sagrado e ao Teatro Pobre. A sua carreira sustenta-se num teatro enquanto veículo entre o público e o intérprete, numa identidade eminentemente ritual inspirada em Grotowsky. No que diz respeito ao Teatro Isabelino, é nele que vai basear o tratamento estrutural do espaço cénico. Toda a estrutura física do Bouffes du Nord se inspira no modelo isabelino, fazendo avançar o espaço de representação sobre uma plateia disposta ao redor do ato dramático. «O público, que toma o falso pelo verdadeiro, tem, no entanto, o sentido do verdadeiro e sempre a ele reage quando é manifestado. (...) sempre que se der à multidão das ruas uma oportunidade para patentear a sua dignidade humana não deixará decerto de o fazer.» A performance é como uma brecha muito rápida de sinceridade precisa do/a performer no meio da confusão da sociedade de consumo, da sociedade do "espetáculo" (como referiu Guy Debord), da televisão, da rádio, dos eletrodomésticos, da internet, do sms e do telemóvel. Como um grito de humanidade no meio da maquinaria do dia a dia. O/A performer interpreta mais do que representa. E a interpretação envolve as palavras ditas, os gestos e a dança e a musicalidade da própria performance. Os ruídos, os ritmos, repetições de palavras, sons, assobios, grunhidos, gritos, onomatopeias, interjeições e todos os outros tipos de sonoridades compõem a designada musicalidade. Assim capta-se a atenção e estimula-se a imaginação dos espetadores. Faz-se com que eles tremam por dentro, fiquem perturbados e quase sintam o que o/a performer está a sentir no momento, seja paixão, revolta, dor... "(...) Enquanto a acção de se ferir pode ser percebida, a dor que ela causa pode apenas ser imaginada [pelos espetadores]. Um fosso abre-se para o espectador, entre aquilo que é executado sobre o corpo do espectador, isto é, à sua superfície, e o que acontece dentro do corpo do performer, um fosso que só parece ser transponível através da imaginação. Enquanto o performer tornar o seu corpo um palco de acções violentas, o espectador será forçado a transportar o palco para a sua imaginação.” (Fischer-Lichte, 1997). «As obras primas do passado ficam bem no passado; não nos servem a nós. Temos o direito de dizer o que já foi dito, e mesmo o que ainda não foi dito, de uma forma que nos pertença, uma forma que seja imediata e direta, de acordo com a atual maneira de sentir e acessível a todos. (...) De uma vez para sempre, basta desta arte fechada, egoísta e pessoal.» Título: O Teatro e o deu Duplo Autor: Antonin Artaud Sinopse: O nosso hábito, já vindo de há muito, de procurar diversão nos espectáculos, fez-nos esquecer a noção dum teatro sério, que, a derrubar todas as nossas representações interiores, nos inspire, com o magnetismo ardente das suas imagens, e actue sobre nós como uma terapêutica espiritual cuja experiência se não possa jamais esquecer. Tudo o que é acção é crueldade. E é baseado nesta ideia duma acção extrema, levada além de todos os limites, que o teatro tem de ser reconstruído. Ciente de que o grande público pensa, antes de mais nada, com os sentidos e de que dirigirmo-nos, em primeiro lugar, à compreensão como faz o vulgar teatro psicológico, é absurdo, o Teatro da Crueldade propõe-se recorrer a um espectáculo de massas tremendas de gente convulsionada e projectada uma contra a outra, algo dessa poesia das grandes festas e das multidões, quando, o que é muito raro hoje em dia, as pessoas invadem as ruas. O teatro tem de nos dar tudo o que há no crime, no amor, na guerra, ou na loucura, se quiser voltar a ser necessário. Estado: disponível para circulação entre formandos; disponível versão pdf. Classificação: leitura obrigatória. O que é a performance? O que é o teatro? O que representar? Um dos primeiros sinais da performance acontece em finais dos anos 70 do século XX nos Estados Unidos da América e na Europa. À época começa a assistir-se a experiências vanguardistas e situações performativas - dada, surrealismo, happenings - que resistem à dimensão temporal do teatro convencional, isto é, concentram-se exclusivamente no tempo presente - ser-agora-aqui - e entram em rutura com a dimensão espacial em voga, acontecendo em estações de metro, parques da cidade, fontes de água, passeios, paragens de autocarro, transportes públicos, ruas, edifícios abandonados, jardins zoológicos,... A performance supera assim o espaço da cena, a narrativa - ou seja, leitura de fragmentos de textos e poemas -, da divisão entre o palco e o público. A par destas ocorrências, Jerzy Grotowski e Antonin Artaud teorizavam uma nova forma de fazer teatro, rompendo com os seus valores tradicionais e propondo o Teatro Pobre, no caso do Grotowski e o Teatro da Crueldade, no caso de Artaud. . «Não somos livres. E o céu pode ainda tombar sobre as nossas cabeças. O teatro está feito para nos dar, antes de mais nada, esse ensinamento. Ou somos capazes de regressar, por meios modernos e atuais, a esta ideia superior de poesia e da poesia-através-do-teatro (...), ou voltamos a ser capazes de tolerar uma ideia religiosa do teatro (...), a ser capazes de alcançar um estado de consciencialização e (...) essas energias que criam definitivamente a ordem da vida e lhe aumentam o valor, ou então podemos perfeitamente abandonar-nos, desde já, ao correr dos acontecimentos, sem protestos (...)» Percorrendo a década de 80 e 90, até aos dias de hoje, vários foram os e as performers que assentaram as bases práticas desta técnica. R. Paquee suspende-se do teto da Galeria com duas cordas; R. Gael, de pé, pintada de vermelho, sobre a mesa posta com velas e folhas de árvore; M. Barbosa pegando fogo ao chão à sua volta e inevitavelmente a si próprio; M. Yamaguchi encostando-se à parede, na diagonal, contra uma caixa cheia de terra; L. Schouten está nua e curvada em cima de um saco de plástico e, à sua volta, estão desenhados em círculos concêntricos letras e palavras desconexas. Nos anos 80 destacam-se as performances violentas, impulsivas, extremadas de Jan Fabre, Binar Schieef, Reza Abdoh, Lalala Human Steps ou La Fura deis Baús. Nos 90, S. Kallnbach caminhou sobre chamas e fez gotejar cera quente sobre a sua pele. Em The Reincarnation of the Holy Orion, uma performer francesa de nome Orlan submeteu-se à cirurgia plástica para moldar o seu rosto de acordo com um ideal sintetizado por computador que misturava as características de mulheres representadas em quadros famosos, tais como a Vénus de Boticelli, a Mona Lisa de Leonardo, entre outros: a operação foi transmitida em direto da sala de operações para uma galeria em Nova Iorque. «(...) o teatro é o único sítio do mundo onde um gesto, uma vez feito, não pode ser repetido. (...) O teatro pode reinstruir quem esqueceu o poder comunicativo e o mimetismo mágico dum gesto, porque um gesto contém, em si, a sua própria energia e porque ainda há, na verdade, no teatro, seres humanos, para manifestarem a força do gesto feito.» Está provado cientificamente que mais de metade do que comunicamos no dia a dia não é através de palavras. Na perspetiva psicodinâmica da mente humana, antes da linguagem existe a chamada pré-linguagem. Esta compreende a linguagem não-verbal, das emoções e dos afetos, dos cinco sentidos e dos gestos. Antes da palavra, o corpo. Antes da palavra, a dança. Nos últimos anos do século XX, a performance e o texto quase apocalíptico estabeleceram entre si uma relação que configura formas de criar arte através do corpo e dos gestos. Estes existem para tornar a palavra, as ideias, as situações e as emoções mais claras, mais percetíveis para quem está a assistir à performance. O gesto é, por definição, um movimento feito com intencionalidade, sendo um signo com significado para quem o vê e para quem o expressa. Na performance, um gesto não deve ser feito com hesitação, precisamente porque uma vez feito, não pode ser anulado ou apagado. Um gesto deve acontecer porque tem de acontecer. Deve transmitir uma mensagem ou uma imagem ao espetador. Em primeiro lugar imagina-se o que se quer dizer. Depois o gesto, depois a dança. Para Grotowski, se pensamos, devemos pensar com o corpo inteiro, através de ações. O que significa que devemos apoiar o nosso gesto, a nossa dança, em imagens da nossa mente, em memórias de experiências passadas e em expetativas futuras, tendo sempre em conta que todo este processo acontece em milésimos de segundo e deve ser realizado com espontaneidade e sinceridade. «Performer, com maiúscula, é um homem de ação. É o dançante, o sacerdote, o guerreiro (...) o performer deve trabalhar em uma estrutura precisa, fazendo esforços, porque a persistência e o respeito pelos detalhes são o rigor que permite fazer presente o eu-eu. As coisas por fazer devem ser exatas. Don't improvise, please! Há que encontrar ações simples; porém tendo cuidado para que sejam dominadas e que isto dure. De outra maneira não se trata do simples e sim do banal.» (continua)
Bibliografia Artaud, A., 1996, O teatro e o seu duplo, trad. Fiama H. P. Brandão, Lisboa, Fenda. Fischer-Lichte, E., 1997 (143 -170), Performance e cultura ‘performativa’: o teatro como modelo cultural em Revista de Comunicação e Linguagens 24, Dramas, Lisboa, CECL - Cosmos. Goldfarb, A., Wilson, E., 2009, Theatre: the lively art, New York, McGraw-Hill. Junior, J. S. A., Koudela, I. D., 2015, Léxico de pedagogia do teatro, São Paulo, Perspetiva. Título: A Construção da Personagem Autor: C. Stanislavski Sinopse: neste livro, a ênfase recai na atuação como arte e na arte como a expressão mais alta da natureza humana. O seu retorno constante ao estudo da natureza humana é o que distingue aquilo que se tornou conhecido como o 'Sistema Stanislavski'. É o alicerce de todas as suas teorias e a razão de estarem sempre sofrendo leves modificações - cada volta ao estudo dos seres humanos poderia ensinar algo novo. Estado: disponível para circulação entre formandos. Classificação: leitura obrigatória. Por Fátima Saadi (publicado em Cadernos de Teatro nº134, pp. 2-7)
(continuação do artigo anterior) Gostaria de ressaltar que Stanislavski não via diferença no método de criação do papel quer se tratasse de comédia, drama, tragédia, ópera, etc. o que só faz reiterar o que acabamos de dizer. Stanislavski não pedia que os seus atores copiassem a aparência da vida, pelo contrário, a sua pesquisa diz sempre respeito ao que constitui a vida - e isto, parece-me, independe de estilo ou género. O que Stanislavski pede aos atores é que criem uma estrutura na qual possam crer e essa estrutura, mesmo mantendo o esquema exterior que a encenação demanda, pode ser realimentada sempre por novas imagens que o próprio ator cria ou invoca. (...) A partir das suas próprias características e das circunstâncias dadas, o ator cria o roteiro das suas acções físicas, acções simples que, executadas com rigor, servem de estímulo à imaginação. Nesse primeiro momento, a preocupação não é com a forma de veicular o personagem, mas com a opinião que o ator tem dele. O ator não se prepara para atuar, para utilizar-se de clichés que preguiçosamente se esgueiram entre ele e o seu personagem, ele se prepara para pôr-se em situação, para atualizar, em si, uma situação que, compreendida com clareza, encontrará a sua forma necessária. Daí Stanislavski adiar ao máximo o contacto do ator com o texto do autor. O trabalho do ator não provém do texto, ele é a criação de uma justificativa para aquelas situações que o texto propõe - isto é, o que se chama sub-texto. O texto tem que ser conhecido em todas as suas articulações - é dele que vêm os objetivos situacionais , mas a justificativa destes objetivos vem da imaginação do ator, da sua memória, dos seus afetos, não importa, estimulados pelo trabalho físico. Neste processo, a visualização dos detalhes imaginados é fundamental para a criação do sub-texto. O ator tem que conquistar o seu lugar na cena, assim como tem que conquistar o verbo. Evidentemente, o texto tem que ser compreendido no seu aspecto linguístico, semântico, mas não é daí que o trabalho do ator parte. Pelo contrário, Stanislavski perguntava-se sempre o que estimula o ator e o que, pelo contrário, inibe o seu trabalho criador e, conclui que, muitas vezes, o excesso de documentação sobre um personagem e a sua época acaba por estancar a criatividade do ator se a isto não se acrescentar um trabalho de combate à preguiça e aos clichés - sejam eles de que natureza forem. (...) Ao movimento geral da época que, com o surgimento do encenador, visa a voltar a cena sobre si mesma, Stanislavski acrescenta a reflexão do ator sobre o seu trabalho, fornecendo concretamente os meios para tal: um método, um caminho que entrou na história, obrigou a história a defrontar-se com uma singularidade radical. E não há nada mais difícil do que enunciar do que o singular. E é por isto que esta singularidade pode ser modulada por todos nós os que compreendemos a cena como um império para si, como um império que ajudamos a construir. Por Fátima Saadi (publicado em Cadernos de Teatro nº134, pp. 2-7)
(continuação do artigo anterior) Num interessante artigo de Grotowski, "Resposta a Stanislavski", a grandeza do trabalho de Stanislavski é avaliada pela diversidade das respostas que cada um dos seus alunos deu às colocações do Mestre - e não pela aplicação subserviente que cada um deles pudesse ter feito das suas ideias. A especificidade do trabalho de Stanislavski está em que não há teorias que se possa "aplicar". As suas ideias incluem a própria atualização / atuação na cena. E, nos ensaios, Stanislavski não se cansava de repetir aos atores: - "Não me digam que compreenderam o que eu disse antes de poderem realizar na cena o que lhes está sendo pedida." O seu temor à generalização, à desencarnação das suas ideias, era tal que, para reforçar-se o aspeto concreto da sua busca, utilizou-se ou bem das suas notas de diário (para a redação de A Minha Vida na Arte) ou bem da forma ficcional em A Preparação do Ator e A Construção do Personagem (publicados respetivamente em 1936 e 1949, nos EUA). (...) Os vínculos que se estabelecem entre o criador e a obra são indissolúveis: uma vez criada a obra, ela é absolutamente necessária - isto é, ela é a melhor e a única resposta à questão da qual brotou; além disso, não se podem esquecer, na contemplação da obra, os caminhos da sua constituição porque, além dela jamais se desvincular da necessidade que a gerou, ela evidencia os processos pelos quais veio à luz, tendo uma função exemplar num mundo em que a tentativa é ocultar o esforço e o processo e valorizar o resultado. Por fim, a obra de arte põe ao nosso alcance o "mundo todo", o real e o imaginário, tomando evidente esta conexão entre ficção e realidade, que é o próprio da arte. Que Stanislavski seja acusado de "naturalista" e que, portanto, se reduza a importância da sua reflexão a um conjunto de procedimentos capazes de viabilizar a encenação de textos ditos realistas, é uma falsidade histórica - porque Stanislavski montou Tchecov, Ibsen, Gorki, Gogol, Tolstoi e clássicos como Shakespeare ("O Mercador de Veneza", 1898, "Júlio César", 1903, "Hamlet", 1911) e Molière ("O Doente Imaginário", 1913) - e uma deliberada má compreensão do seu pensamento que não se propõe a copiar a vida mas a buscar na vida, as estruturas do seu fluxo. Esta é, aliás, na mesma trilha que seguem Gordon Graig, Artaud e todos aqueles que se perguntam o que é teatro. (continua) Por Fátima Saadi (publicado em Cadernos de Teatro nº134, pp. 2-7)
Stanislavski passou a vida em busca daquilo que faz com que o homem acredite naquilo que torna o homem integralmente presente nos atos em que se empenha. É uma busca mística? Certamente. Uma busca religiosa, na medida em que coloca em causa a ligação do homem consigo mesmo, com o seu passado, com a vida do seu espírito e com o outro. . É uma busca ética, na medida em que reflecte minuciosamente sobre as atitudes do homem num determinado campo de acção - o palco. E é uma busca artística porque o seu objecto primeiro é a constituição de uma obra, no caso, o espectáculo cénico, com ênfase especial para o trabalho do actor.. A busca de Stanislavski funda um campo de reflexão que, desde o final do século XVIII, lentamente se delineava - a reflexão sobre o trabalho do actor. Mas, mais do que isso, Stanislavski faz da reflexão método criativo, ampliando ao mesmo tempo o seu significado porque, pela sua prática criativa no teatro, ele nos afasta da cisão que o ocidente estabeleceu entre pensamento e acção: logos e sensível. Para trabalhar a personagem - ficção do homem - Stanislavski coloca o actor no centro da cena e este actor tem que justificar ali a sua presença. Esta justificativa, entretanto, não existe previamente, ela se dá, a cada momento do seu desempenho, por uma reflexão actuada. Esta reflexão propriamente cénica tem uma lógica particular onde se conjugam as características do actor e as circunstancias da situação à qual ele deve dar vida. Esta orquestração tem o intuito de despertar no actor a imaginação, induzindo-o assim à disposição criadora. Stanislavski trabalha entre a ficção e a realidade, entre o visível e o invisível, entre o passado e a vivência actual. (...) Não lhe interessa (a Stanislavski) formular uma teoria, não pretende alçar-se do particular ao geral, mas compreender verdadeiramente este particular, esta singularidade que é o actor que, em cena, cria a vida do espírito do personagem através dos seus actos. É muito importante frisarmos este carácter particular, de trabalho sobre si mesmo, de experiência, que a reflexão de Stanislavski assume. É a única defesa que podemos levantar contra a tendência de encarar as suas ideias como um Sistema ou Método - conjunto de regras gerais coordenadas de forma a abranger um campo de conhecimento - com força de doutrina. O próprio Stanislavski hesitou por longo tempo em colocar as suas ideias sobre o trabalho do actor no papel por medo de que, escritas, elas logo se tornassem rígidas. . A yma actriz do Teatro de Arte de Moscovo que lhe perguntou o que devia fazer com as notas de ensaikos de peças que, sob a sua direcção, ela havia feito há muitos e muitos anos, Stanislavski respondeu: - "Queime, queime tudo!" (continua) Jerzy Grotowski (1933 – 1999) Encenador e teórico. A sua importância na história do teatro do século XX é inquestionável, tendo sido um dos principais defensores da partilha do mesmo espaço entre actores e espectadores. Para ele, o espectador recebe o desafio do actor, sente a sua respiração, mas a sua participação é passiva. Defende um treino para o actor intenso e físico Autor do livro «Para um Teatro pobre». Pontos de análise 1. O teatro para Grotowski é uma arte carnal. Por isso o corpo precisa quebrar suas resistências. O corpo é material psíquico. Ele diz que "a ação física deve apoiar-se sobre associações pessoais, sobre suas baterias psíquicas, sobre seus acumuladores internos." O essencial é que tudo deve vir do corpo e através dele: "antes de reagir com a voz, deve-se reagir com o corpo. Se se pensa, deve-se pensar com o corpo inteiro, através de ações." Os gestos do ator não devem "ilustrar", mas realizar um "ato de alma" através de seu próprio organismo. Grotowski busca encontrar os vários centros de concentração do corpo: "para as diferentes formas de representar, procurar as áreas do corpo que o ator sente, algumas vezes, como suas fontes de energia." 2. Dar ao corpo uma possibilidade. Uma possibilidade de vida, em que mente/corpo/palavra/gesto/espírito /matéria/interno/externo se integrem e se expressem em sua totalidade: "há que dar-se conta que nosso corpo é nossa vida. Em nosso corpo estão inscritas todas as nossas experiências. Estão inscritas na pele e embaixo da pele, desde a infância até a idade madura e ainda talvez desde antes da infância e desde o nascimento de nossa geração. O corpo em vida é algo palpável (...) o retorno ao corpo - vida exige desarmamento, desnudamento, sinceridade." O desvendamento do ator se fará não para o espectador, mas diante dele. Esse desvendamento, baseado num esforço de total sinceridade, exige do ator a aceitação de uma renúncia a todas as suas máscaras, mesmo as mais íntimas. 3. Grotowski nos fala do ator - performer: "O Performer, com maiúscula, é um homem de ação. É o dançante, o sacerdote, o guerreiro (...) o performer deve trabalhar em uma estrutura precisa, fazendo esforços, porque a persistência e o respeito pelos detalhes são o rigor que permite fazer presente o eu-eu. As coisas por fazer devem ser exatas. Don't improvise, please! Há que encontrar ações simples; porém tendo cuidado para que sejam dominadas e que isto dure. De outra maneira não se trata do simples e sim do banal." O ato criativo no teatro deve ser o resultado da dialética entre precisão e espontaneidade. 4. A tendência do ator à sinceridade não o autoriza a ser informal e casual. Uma viagem ao seu fórum íntimo não pode acontecer sem o acompanhamento de uma disciplina, onde o ator, para não cair no caos, na confusão e no inexpressivo, deve buscar traduzir esse universo por meio de uma partitura gestual, vocal e sonora que seja reflexo material dessa viagem. É dessa contínua oposição entre espontaneidade e disciplina, interioridade e artificialidade, sentimento e forma, que vai nascer o ato total no teatro. 5. O ator para Grotowski é um homem que trabalha em público com o seu corpo, oferecendo-o publicamente; por isso, se esse corpo se limita a mostrar o que é, ou seja, se se limita a demonstrar algo que qualquer pessoa pode fazer, não constitui um instrumento obediente capaz de criar um ato espiritual. Daí a importância que ele dá ao desenvolvimento de uma anatomia especial para o ator. Para desenvolver esta anatomia, é necessário ordem, harmonia e disciplina, pois esse trabalho exige que os atores se lancem em algo extremo, num tipo de transformação que pede uma resposta total de cada um. Esse algo vai além do significado de "teatro" e é muito mais "um ato de viver" e "um caminho de existência". 6. Grotowski nos diz ainda que o ator não pode trabalhar sobre si mesmo, se não está dentro de algo estruturado que seja possível repetir, que tenha princípio, meio e fim, onde cada elemento tem seu lugar lógico, a estrutura elaborada em detalhes - a ação que é a chave. Se falta uma estrutura tudo se dissolve e se torna uma sopa emotiva. A respeito disso ele diz: "assim trabalhamos nossa obra de arte: ação. O trabalho organizado como os ensaios têm oito a quatorze horas por dia, seis dias por semana e dura anos, de maneira sistemática." 7. Uma redefinição da função e da arte do ator: esta foi a trajetória que Grotowski percorreu. O corpo é o seu veículo privilegiado. O ator necessita conhecer e dominar os seus recursos e isto exige uma formação permanente. Não é um aprendizado de alguns anos, mas para toda a vida. O ator dever questionar-se sempre sobre sua arte, deve colocar a sua técnica em discussão. Caso contrário, o ator será aprisionado na sua função histriônica de imitador, vivendo a ilusão de que ele sabe como simular o ciúme, como representar um ancião, como fazer uma tragédia, etc. Uma formação tradicional que, segundo Grotowski, "nada propõe, além de uma aprendizagem de clichês (...) de uma vã e tola imitação da realidade." |
TEATRO 16Iniciando a aventura, CITAÇÃO DO DIA
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Dezembro 2016
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