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«O público, que toma o falso pelo verdadeiro, tem, no entanto, o sentido do verdadeiro e sempre a ele reage quando é manifestado. (...) sempre que se der à multidão das ruas uma oportunidade para patentear a sua dignidade humana não deixará decerto de o fazer.» A performance é como uma brecha muito rápida de sinceridade precisa do/a performer no meio da confusão da sociedade de consumo, da sociedade do "espetáculo" (como referiu Guy Debord), da televisão, da rádio, dos eletrodomésticos, da internet, do sms e do telemóvel. Como um grito de humanidade no meio da maquinaria do dia a dia. O/A performer interpreta mais do que representa. E a interpretação envolve as palavras ditas, os gestos e a dança e a musicalidade da própria performance. Os ruídos, os ritmos, repetições de palavras, sons, assobios, grunhidos, gritos, onomatopeias, interjeições e todos os outros tipos de sonoridades compõem a designada musicalidade. Assim capta-se a atenção e estimula-se a imaginação dos espetadores. Faz-se com que eles tremam por dentro, fiquem perturbados e quase sintam o que o/a performer está a sentir no momento, seja paixão, revolta, dor... "(...) Enquanto a acção de se ferir pode ser percebida, a dor que ela causa pode apenas ser imaginada [pelos espetadores]. Um fosso abre-se para o espectador, entre aquilo que é executado sobre o corpo do espectador, isto é, à sua superfície, e o que acontece dentro do corpo do performer, um fosso que só parece ser transponível através da imaginação. Enquanto o performer tornar o seu corpo um palco de acções violentas, o espectador será forçado a transportar o palco para a sua imaginação.” (Fischer-Lichte, 1997). «As obras primas do passado ficam bem no passado; não nos servem a nós. Temos o direito de dizer o que já foi dito, e mesmo o que ainda não foi dito, de uma forma que nos pertença, uma forma que seja imediata e direta, de acordo com a atual maneira de sentir e acessível a todos. (...) De uma vez para sempre, basta desta arte fechada, egoísta e pessoal.»
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O que é a performance? O que é o teatro? O que representar? Um dos primeiros sinais da performance acontece em finais dos anos 70 do século XX nos Estados Unidos da América e na Europa. À época começa a assistir-se a experiências vanguardistas e situações performativas - dada, surrealismo, happenings - que resistem à dimensão temporal do teatro convencional, isto é, concentram-se exclusivamente no tempo presente - ser-agora-aqui - e entram em rutura com a dimensão espacial em voga, acontecendo em estações de metro, parques da cidade, fontes de água, passeios, paragens de autocarro, transportes públicos, ruas, edifícios abandonados, jardins zoológicos,... A performance supera assim o espaço da cena, a narrativa - ou seja, leitura de fragmentos de textos e poemas -, da divisão entre o palco e o público. A par destas ocorrências, Jerzy Grotowski e Antonin Artaud teorizavam uma nova forma de fazer teatro, rompendo com os seus valores tradicionais e propondo o Teatro Pobre, no caso do Grotowski e o Teatro da Crueldade, no caso de Artaud. . «Não somos livres. E o céu pode ainda tombar sobre as nossas cabeças. O teatro está feito para nos dar, antes de mais nada, esse ensinamento. Ou somos capazes de regressar, por meios modernos e atuais, a esta ideia superior de poesia e da poesia-através-do-teatro (...), ou voltamos a ser capazes de tolerar uma ideia religiosa do teatro (...), a ser capazes de alcançar um estado de consciencialização e (...) essas energias que criam definitivamente a ordem da vida e lhe aumentam o valor, ou então podemos perfeitamente abandonar-nos, desde já, ao correr dos acontecimentos, sem protestos (...)» Percorrendo a década de 80 e 90, até aos dias de hoje, vários foram os e as performers que assentaram as bases práticas desta técnica. R. Paquee suspende-se do teto da Galeria com duas cordas; R. Gael, de pé, pintada de vermelho, sobre a mesa posta com velas e folhas de árvore; M. Barbosa pegando fogo ao chão à sua volta e inevitavelmente a si próprio; M. Yamaguchi encostando-se à parede, na diagonal, contra uma caixa cheia de terra; L. Schouten está nua e curvada em cima de um saco de plástico e, à sua volta, estão desenhados em círculos concêntricos letras e palavras desconexas. Nos anos 80 destacam-se as performances violentas, impulsivas, extremadas de Jan Fabre, Binar Schieef, Reza Abdoh, Lalala Human Steps ou La Fura deis Baús. Nos 90, S. Kallnbach caminhou sobre chamas e fez gotejar cera quente sobre a sua pele. Em The Reincarnation of the Holy Orion, uma performer francesa de nome Orlan submeteu-se à cirurgia plástica para moldar o seu rosto de acordo com um ideal sintetizado por computador que misturava as características de mulheres representadas em quadros famosos, tais como a Vénus de Boticelli, a Mona Lisa de Leonardo, entre outros: a operação foi transmitida em direto da sala de operações para uma galeria em Nova Iorque. «(...) o teatro é o único sítio do mundo onde um gesto, uma vez feito, não pode ser repetido. (...) O teatro pode reinstruir quem esqueceu o poder comunicativo e o mimetismo mágico dum gesto, porque um gesto contém, em si, a sua própria energia e porque ainda há, na verdade, no teatro, seres humanos, para manifestarem a força do gesto feito.» Está provado cientificamente que mais de metade do que comunicamos no dia a dia não é através de palavras. Na perspetiva psicodinâmica da mente humana, antes da linguagem existe a chamada pré-linguagem. Esta compreende a linguagem não-verbal, das emoções e dos afetos, dos cinco sentidos e dos gestos. Antes da palavra, o corpo. Antes da palavra, a dança. Nos últimos anos do século XX, a performance e o texto quase apocalíptico estabeleceram entre si uma relação que configura formas de criar arte através do corpo e dos gestos. Estes existem para tornar a palavra, as ideias, as situações e as emoções mais claras, mais percetíveis para quem está a assistir à performance. O gesto é, por definição, um movimento feito com intencionalidade, sendo um signo com significado para quem o vê e para quem o expressa. Na performance, um gesto não deve ser feito com hesitação, precisamente porque uma vez feito, não pode ser anulado ou apagado. Um gesto deve acontecer porque tem de acontecer. Deve transmitir uma mensagem ou uma imagem ao espetador. Em primeiro lugar imagina-se o que se quer dizer. Depois o gesto, depois a dança. Para Grotowski, se pensamos, devemos pensar com o corpo inteiro, através de ações. O que significa que devemos apoiar o nosso gesto, a nossa dança, em imagens da nossa mente, em memórias de experiências passadas e em expetativas futuras, tendo sempre em conta que todo este processo acontece em milésimos de segundo e deve ser realizado com espontaneidade e sinceridade. «Performer, com maiúscula, é um homem de ação. É o dançante, o sacerdote, o guerreiro (...) o performer deve trabalhar em uma estrutura precisa, fazendo esforços, porque a persistência e o respeito pelos detalhes são o rigor que permite fazer presente o eu-eu. As coisas por fazer devem ser exatas. Don't improvise, please! Há que encontrar ações simples; porém tendo cuidado para que sejam dominadas e que isto dure. De outra maneira não se trata do simples e sim do banal.» (continua)
Bibliografia Artaud, A., 1996, O teatro e o seu duplo, trad. Fiama H. P. Brandão, Lisboa, Fenda. Fischer-Lichte, E., 1997 (143 -170), Performance e cultura ‘performativa’: o teatro como modelo cultural em Revista de Comunicação e Linguagens 24, Dramas, Lisboa, CECL - Cosmos. Goldfarb, A., Wilson, E., 2009, Theatre: the lively art, New York, McGraw-Hill. Junior, J. S. A., Koudela, I. D., 2015, Léxico de pedagogia do teatro, São Paulo, Perspetiva. |
TEATRO 16Iniciando a aventura, CITAÇÃO DO DIA
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Dezembro 2016
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