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O que é a performance? O que é o teatro? O que representar? Um dos primeiros sinais da performance acontece em finais dos anos 70 do século XX nos Estados Unidos da América e na Europa. À época começa a assistir-se a experiências vanguardistas e situações performativas - dada, surrealismo, happenings - que resistem à dimensão temporal do teatro convencional, isto é, concentram-se exclusivamente no tempo presente - ser-agora-aqui - e entram em rutura com a dimensão espacial em voga, acontecendo em estações de metro, parques da cidade, fontes de água, passeios, paragens de autocarro, transportes públicos, ruas, edifícios abandonados, jardins zoológicos,... A performance supera assim o espaço da cena, a narrativa - ou seja, leitura de fragmentos de textos e poemas -, da divisão entre o palco e o público. A par destas ocorrências, Jerzy Grotowski e Antonin Artaud teorizavam uma nova forma de fazer teatro, rompendo com os seus valores tradicionais e propondo o Teatro Pobre, no caso do Grotowski e o Teatro da Crueldade, no caso de Artaud. . «Não somos livres. E o céu pode ainda tombar sobre as nossas cabeças. O teatro está feito para nos dar, antes de mais nada, esse ensinamento. Ou somos capazes de regressar, por meios modernos e atuais, a esta ideia superior de poesia e da poesia-através-do-teatro (...), ou voltamos a ser capazes de tolerar uma ideia religiosa do teatro (...), a ser capazes de alcançar um estado de consciencialização e (...) essas energias que criam definitivamente a ordem da vida e lhe aumentam o valor, ou então podemos perfeitamente abandonar-nos, desde já, ao correr dos acontecimentos, sem protestos (...)» Percorrendo a década de 80 e 90, até aos dias de hoje, vários foram os e as performers que assentaram as bases práticas desta técnica. R. Paquee suspende-se do teto da Galeria com duas cordas; R. Gael, de pé, pintada de vermelho, sobre a mesa posta com velas e folhas de árvore; M. Barbosa pegando fogo ao chão à sua volta e inevitavelmente a si próprio; M. Yamaguchi encostando-se à parede, na diagonal, contra uma caixa cheia de terra; L. Schouten está nua e curvada em cima de um saco de plástico e, à sua volta, estão desenhados em círculos concêntricos letras e palavras desconexas. Nos anos 80 destacam-se as performances violentas, impulsivas, extremadas de Jan Fabre, Binar Schieef, Reza Abdoh, Lalala Human Steps ou La Fura deis Baús. Nos 90, S. Kallnbach caminhou sobre chamas e fez gotejar cera quente sobre a sua pele. Em The Reincarnation of the Holy Orion, uma performer francesa de nome Orlan submeteu-se à cirurgia plástica para moldar o seu rosto de acordo com um ideal sintetizado por computador que misturava as características de mulheres representadas em quadros famosos, tais como a Vénus de Boticelli, a Mona Lisa de Leonardo, entre outros: a operação foi transmitida em direto da sala de operações para uma galeria em Nova Iorque. «(...) o teatro é o único sítio do mundo onde um gesto, uma vez feito, não pode ser repetido. (...) O teatro pode reinstruir quem esqueceu o poder comunicativo e o mimetismo mágico dum gesto, porque um gesto contém, em si, a sua própria energia e porque ainda há, na verdade, no teatro, seres humanos, para manifestarem a força do gesto feito.» Está provado cientificamente que mais de metade do que comunicamos no dia a dia não é através de palavras. Na perspetiva psicodinâmica da mente humana, antes da linguagem existe a chamada pré-linguagem. Esta compreende a linguagem não-verbal, das emoções e dos afetos, dos cinco sentidos e dos gestos. Antes da palavra, o corpo. Antes da palavra, a dança. Nos últimos anos do século XX, a performance e o texto quase apocalíptico estabeleceram entre si uma relação que configura formas de criar arte através do corpo e dos gestos. Estes existem para tornar a palavra, as ideias, as situações e as emoções mais claras, mais percetíveis para quem está a assistir à performance. O gesto é, por definição, um movimento feito com intencionalidade, sendo um signo com significado para quem o vê e para quem o expressa. Na performance, um gesto não deve ser feito com hesitação, precisamente porque uma vez feito, não pode ser anulado ou apagado. Um gesto deve acontecer porque tem de acontecer. Deve transmitir uma mensagem ou uma imagem ao espetador. Em primeiro lugar imagina-se o que se quer dizer. Depois o gesto, depois a dança. Para Grotowski, se pensamos, devemos pensar com o corpo inteiro, através de ações. O que significa que devemos apoiar o nosso gesto, a nossa dança, em imagens da nossa mente, em memórias de experiências passadas e em expetativas futuras, tendo sempre em conta que todo este processo acontece em milésimos de segundo e deve ser realizado com espontaneidade e sinceridade. «Performer, com maiúscula, é um homem de ação. É o dançante, o sacerdote, o guerreiro (...) o performer deve trabalhar em uma estrutura precisa, fazendo esforços, porque a persistência e o respeito pelos detalhes são o rigor que permite fazer presente o eu-eu. As coisas por fazer devem ser exatas. Don't improvise, please! Há que encontrar ações simples; porém tendo cuidado para que sejam dominadas e que isto dure. De outra maneira não se trata do simples e sim do banal.» (continua)
Bibliografia Artaud, A., 1996, O teatro e o seu duplo, trad. Fiama H. P. Brandão, Lisboa, Fenda. Fischer-Lichte, E., 1997 (143 -170), Performance e cultura ‘performativa’: o teatro como modelo cultural em Revista de Comunicação e Linguagens 24, Dramas, Lisboa, CECL - Cosmos. Goldfarb, A., Wilson, E., 2009, Theatre: the lively art, New York, McGraw-Hill. Junior, J. S. A., Koudela, I. D., 2015, Léxico de pedagogia do teatro, São Paulo, Perspetiva.
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No início era um teatro. Logo um laboratório. E agora é um lugar onde espero poder ser fiel a mim mesmo. É um lugar onde espero que cada um dos meus companheiros possa ser fiel a si mesmo. É um lugar onde o ato, o testemunho dado por um ser humano será concreto e carnal. Onde não se faz ginástica artística, truques. Onde se tem ganas de ser descoberto, revelado, desnudado; verdadeiro de corpo e de sangue, com toda naturalidade humana, com tudo isso que vocês podem chamar como queiram: espírito, alma, psique, memória, etc. Porém sempre de forma palpável, também digo: carnalmente, pois de forma palpável. É o encontro, o sair ao encontro do outro, o baixar as armas, a abolição do medo de uns frente aos outros, em toda ocasião. Jerzy Grotowski (1933 – 1999) Encenador e teórico. A sua importância na história do teatro do século XX é inquestionável, tendo sido um dos principais defensores da partilha do mesmo espaço entre actores e espectadores. Para ele, o espectador recebe o desafio do actor, sente a sua respiração, mas a sua participação é passiva. Defende um treino para o actor intenso e físico Autor do livro «Para um Teatro pobre». Pontos de análise 1. O teatro para Grotowski é uma arte carnal. Por isso o corpo precisa quebrar suas resistências. O corpo é material psíquico. Ele diz que "a ação física deve apoiar-se sobre associações pessoais, sobre suas baterias psíquicas, sobre seus acumuladores internos." O essencial é que tudo deve vir do corpo e através dele: "antes de reagir com a voz, deve-se reagir com o corpo. Se se pensa, deve-se pensar com o corpo inteiro, através de ações." Os gestos do ator não devem "ilustrar", mas realizar um "ato de alma" através de seu próprio organismo. Grotowski busca encontrar os vários centros de concentração do corpo: "para as diferentes formas de representar, procurar as áreas do corpo que o ator sente, algumas vezes, como suas fontes de energia." 2. Dar ao corpo uma possibilidade. Uma possibilidade de vida, em que mente/corpo/palavra/gesto/espírito /matéria/interno/externo se integrem e se expressem em sua totalidade: "há que dar-se conta que nosso corpo é nossa vida. Em nosso corpo estão inscritas todas as nossas experiências. Estão inscritas na pele e embaixo da pele, desde a infância até a idade madura e ainda talvez desde antes da infância e desde o nascimento de nossa geração. O corpo em vida é algo palpável (...) o retorno ao corpo - vida exige desarmamento, desnudamento, sinceridade." O desvendamento do ator se fará não para o espectador, mas diante dele. Esse desvendamento, baseado num esforço de total sinceridade, exige do ator a aceitação de uma renúncia a todas as suas máscaras, mesmo as mais íntimas. 3. Grotowski nos fala do ator - performer: "O Performer, com maiúscula, é um homem de ação. É o dançante, o sacerdote, o guerreiro (...) o performer deve trabalhar em uma estrutura precisa, fazendo esforços, porque a persistência e o respeito pelos detalhes são o rigor que permite fazer presente o eu-eu. As coisas por fazer devem ser exatas. Don't improvise, please! Há que encontrar ações simples; porém tendo cuidado para que sejam dominadas e que isto dure. De outra maneira não se trata do simples e sim do banal." O ato criativo no teatro deve ser o resultado da dialética entre precisão e espontaneidade. 4. A tendência do ator à sinceridade não o autoriza a ser informal e casual. Uma viagem ao seu fórum íntimo não pode acontecer sem o acompanhamento de uma disciplina, onde o ator, para não cair no caos, na confusão e no inexpressivo, deve buscar traduzir esse universo por meio de uma partitura gestual, vocal e sonora que seja reflexo material dessa viagem. É dessa contínua oposição entre espontaneidade e disciplina, interioridade e artificialidade, sentimento e forma, que vai nascer o ato total no teatro. 5. O ator para Grotowski é um homem que trabalha em público com o seu corpo, oferecendo-o publicamente; por isso, se esse corpo se limita a mostrar o que é, ou seja, se se limita a demonstrar algo que qualquer pessoa pode fazer, não constitui um instrumento obediente capaz de criar um ato espiritual. Daí a importância que ele dá ao desenvolvimento de uma anatomia especial para o ator. Para desenvolver esta anatomia, é necessário ordem, harmonia e disciplina, pois esse trabalho exige que os atores se lancem em algo extremo, num tipo de transformação que pede uma resposta total de cada um. Esse algo vai além do significado de "teatro" e é muito mais "um ato de viver" e "um caminho de existência". 6. Grotowski nos diz ainda que o ator não pode trabalhar sobre si mesmo, se não está dentro de algo estruturado que seja possível repetir, que tenha princípio, meio e fim, onde cada elemento tem seu lugar lógico, a estrutura elaborada em detalhes - a ação que é a chave. Se falta uma estrutura tudo se dissolve e se torna uma sopa emotiva. A respeito disso ele diz: "assim trabalhamos nossa obra de arte: ação. O trabalho organizado como os ensaios têm oito a quatorze horas por dia, seis dias por semana e dura anos, de maneira sistemática." 7. Uma redefinição da função e da arte do ator: esta foi a trajetória que Grotowski percorreu. O corpo é o seu veículo privilegiado. O ator necessita conhecer e dominar os seus recursos e isto exige uma formação permanente. Não é um aprendizado de alguns anos, mas para toda a vida. O ator dever questionar-se sempre sobre sua arte, deve colocar a sua técnica em discussão. Caso contrário, o ator será aprisionado na sua função histriônica de imitador, vivendo a ilusão de que ele sabe como simular o ciúme, como representar um ancião, como fazer uma tragédia, etc. Uma formação tradicional que, segundo Grotowski, "nada propõe, além de uma aprendizagem de clichês (...) de uma vã e tola imitação da realidade." |
TEATRO 16Iniciando a aventura, CITAÇÃO DO DIA
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Dezembro 2016
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